segunda-feira, 31 de março de 2008

Por que o número de homicídios nunca bate

Quem tem a informação correta sobre homicídios? O Instituto Médico Legal (IML)? A Polícia Civil através de seus boletins de ocorrência? O Centro de Operações Policiais (190)? A Polícia Militar através de seus boletins de ocorrência? Esta é uma questão que tem trazido muita polêmica muito fomentada pela própria mídia no afã de identificar o mascaramento dos números de homicídios.
O desencontro é total. Uns falam em homicídio, outros em mortes violentas. É preciso deixar bem claro que há diferenças de classificação, dependendo de quem produz ou analisa os dados.
À Polícia Civil compete a classificação pela natureza jurídica, ou seja, de acordo com o Código Penal que trata da intencionalidade do agente. Então, as mortes, de acordo com a intencionalidade podem ser decorrentes do desejo de matar ou de desejo diverso ao da morte. A morte advém sem que sua intenção fosse essa. Assim, há o homicídio doloso (intencional), homicídio culposo (por imperícia, imprudência ou negligência - não há o desejo da morte), lesão corporal seguida de morte (a intenção é lesionar e não matar), roubo seguido de morte (o objetivo é subtrair o bem, a vida, neste caso, é de somenos importância), rixa seguida de morte etc.
Já ao IML cabe a classificação pela causa jurídica, que não trata da intencionalidade. Simplesmente do fato. Ou é suicídio, ou acidente, ou homicídio, ou ignorado, ou outros. Homicídio na ótica da causa jurídica, compreende os homicídios dolosos, os culposos e os decorrentes de qualquer outro crime que culmine em morte.
Uma das maiores preocupações da Segurança Pública é com a contabilidade dos homicídios dolosos, porque são esses que se usam para medir o grau de violência de uma cidade, estado ou país.
Há outro fator de discordância nesse assunto que são as mortes (também chamadas de homicídios) do SUS. Ambos os sistemas se preocupam com as mortes violentas, só que além de tratar apenas a causa jurídica, apresenta uma grande diferença de base; enquanto os dados da segurança mantêm um vínculo estreito com o local dos fatos, o do Sistema Único de Saúde (SUS) se preocupa com o local em que a vítima mora e onde veio a óbito. Um morador da Paraíba que toma um tiro em Pernambuco e vem a falecer em São Paulo é contabilizado, pelo SUS na Paraíba e em São Paulo. Já pela Segurança Pública é contabilizado em Pernambuco.
O objetivo é como se chegar a dados mais confiáveis, uma vez que as visões são muito diferentes.
Os problemas que levam às disparidades são muitos:
1. Data de corte dos dados para fechamento da estatística.
2. Forma de contabilidade dos eventos: número de mortes ou número de mortos?
3. Feridos num mês e morto no outro, como contabilizar? Contabiliza-se a tentativa num mês e o homicídio no outro? Como desclassificar a tentativa?
4. Registro de um mesmo fato em mais de uma delegacia, incluindo-se a de homicídios.
5. Falta de registro de fatos, principalmente quando se trata de crimes militares.
6. Anúncio do número de mortes diárias quando há pessoas que já morreram cujo corpo ainda não foi encontrado.
É preciso que se lembre que os dados estatísticos buscam estar perto da verdade, porém não pode ser tida como verdade absoluta. Há duas variáveis a serem consideradas: vetor tempo e vetor qualidade. Quanto maior o tempo, melhor é a qualidade. Ocorre, porém, que o tempo não pode ser demasiadamente longo, porque se perde a oportunidade. Logo, o tempo de fechamento de dados estatísticos não pode ser tão pequeno que prejudique em demasia a qualidade, nem tão grande que se perca a oportunidade. É preciso que se tenha consciência que a classificação tanto da natureza jurídica quanto da causa jurídica é inicial, preliminar. No decorrer da investigação e do processo pode mudar.
Quando se trata das demais ocorrências, cujo volume é muito grande, como roubo, furto e outros, não há tanto com que se preocupar, porque admite margem de erro maior. O caso dos homicídios é diferente. Como proporcionalmente o volume é muito menor, um erro representa um valor percentual muito maior. E por se tratar de vida humana, a preocupação se torna maior ainda. É preciso, então, que se dê atenção especial ao caso das mortes não naturais, em especial aos homicídios dolosos.
Além de os números causarem dúvidas pela falta de critério na forma de contabilidade de mortes, há ainda a falta de qualidade nos dados coletados. Muitos dos registros não possuem dados sobre a vítima (nome, idade etc). A maioria não traz os motivos prováveis da morte, ou seja, se foi por disputa de ponto de droga, passional, se estavam sob efeito de álcool. Da mesma forma, os registros geralmente não contemplam a vida pregressa dos envolvidos (imputado e vítima).
São dados que não alteram a quantidade, mas que podem alterar a compreensão sobre os motivos da violência e apontar caminhos para seu combate.
O ideal para esse tipo de problema reside em realizar a contabilidade diária de mortos e definir uma data de corte que permita que se agreguem informações nos registros de ocorrência complementando os dados faltantes. Além disso, deve-se criar um sistema de coleta e de conferência dessas informações que envolvam registros do IML's, dos médicos ad hoc, da PM, da Polícia Civil, da imprensa, dos centros de operações e SUS.
Falar em número de mortos diários é um equívoco pelo fato de haver pessoas que são encontradas dias depois de terem sido assassinadas e pelo princípio da análise criminal, deve ser anotado o dia e o local do fato que levou a óbito a vítima e não o dia e o local onde morreu.
Outro fator de extrema importância é o controle sobre todos os procedimentos referentes às mortes não naturais. Não se pode correr o risco de não se instaurar o devido procedimento apuratório nem deixar que qualquer peça possa ser incorporada ao inquérito policial, como laudos e objetos que sejam importantes para a comprovação da materialidade e da autoria.

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